O Velho
O velho que se apresenta
à minha porta
verniz do tempo,
com o seu chapéu de palha a
coroar-se,
sua camisa rota, o corrião
puído,
as calças a altura das
canelas
tisnadas e lustrosas como o
cabo
de uma enxada,
os pés da cor do chão,
rachados
como o chão em que pisara,
todo ele tempo arrefecido,
gasto,
carga de tempo nestes gestos
largos,
o velho que se senta na
banqueta
e seu silêncio troa,
em cujas mãos crestadas o prato
com comida
se confunde com o que restara,
humanidade rota e, no
entanto, vívida,
é hoje um ícone na minha
sala:
uma estatueta modelar de
argila,
mistura de tempo, história,
arte e poesia
que jamais se cala,
talvez a redução da forma à
sua essência,
o barro de que somos feitos,
e mais nada.
LPS – 2003, revisto em 2007 e
em 2019.
Quadro com paisagem: Clélia G. de Miranda (Tia Clélia)
Estatueta do "Pezão" - Autor desconhecido
Quadro com paisagem: Clélia G. de Miranda (Tia Clélia)
Estatueta do "Pezão" - Autor desconhecido