segunda-feira, 29 de julho de 2019

O Velho


O Velho



O velho que se apresenta

à minha porta



em cuja testa o seu suor já é

                        verniz do tempo,

com o seu chapéu de palha a coroar-se,

sua camisa rota, o corrião puído,

as calças a altura das canelas

tisnadas e lustrosas como o cabo

                            de uma enxada,

os pés da cor do chão, rachados

como o chão em que pisara,

todo ele tempo arrefecido, gasto,

carga de tempo nestes gestos largos,



o velho que se senta na banqueta

e seu silêncio troa,

em cujas mãos crestadas o prato com comida

se confunde com o que restara,

humanidade rota e, no entanto, vívida,



é hoje um ícone na minha sala:



uma estatueta modelar de argila,

mistura de tempo, história, arte e poesia

que jamais se cala,

talvez a redução da forma à sua essência,

o barro de que somos feitos,

e mais nada.



LPS – 2003, revisto em 2007 e em 2019.

Quadro com paisagem: Clélia G. de Miranda (Tia Clélia)
Estatueta do "Pezão" - Autor desconhecido