segunda-feira, 29 de julho de 2019

O Velho


O Velho



O velho que se apresenta

à minha porta



em cuja testa o seu suor já é

                        verniz do tempo,

com o seu chapéu de palha a coroar-se,

sua camisa rota, o corrião puído,

as calças a altura das canelas

tisnadas e lustrosas como o cabo

                            de uma enxada,

os pés da cor do chão, rachados

como o chão em que pisara,

todo ele tempo arrefecido, gasto,

carga de tempo nestes gestos largos,



o velho que se senta na banqueta

e seu silêncio troa,

em cujas mãos crestadas o prato com comida

se confunde com o que restara,

humanidade rota e, no entanto, vívida,



é hoje um ícone na minha sala:



uma estatueta modelar de argila,

mistura de tempo, história, arte e poesia

que jamais se cala,

talvez a redução da forma à sua essência,

o barro de que somos feitos,

e mais nada.



LPS – 2003, revisto em 2007 e em 2019.

Quadro com paisagem: Clélia G. de Miranda (Tia Clélia)
Estatueta do "Pezão" - Autor desconhecido




segunda-feira, 3 de junho de 2019

Há um conflito crescente no mundo


Há um conflito crescente no mundo.


Não é de hoje, mas está cada vez mais amplificado, reconhecido, analisado.


Há um conflito crescente no mundo, que se acentua a seu modo na América Latina, entre o atual estágio do capitalismo mundial que se tornou um fim em si mesmo, e a vontade manifesta das populações premidas pela necessidade de verem invertidas as tendências de aumento do desemprego, da precarização do trabalho, da fome e da miséria, com todas as suas consequências de exclusão e marginalização de que são indicadores, por exemplo, a violência crescente, tanto social quanto estatal de “controle”, esta última como um dos sintomas da incapacidade dos estados nacionais, engessados pela invasão poderosa dos lobbies e de prepostos que desvirtuam e mesmo impedem-no  de cumprir a missão que lhes é própria: zelar pelo interesse da coletividade, ou interesse público, mediando as ações privadas, estabelecendo regras, pisos e tetos, protegendo o meio-ambiente, trabalhando pela sobrevivência organizada de toda a população. 


Trata-se de um trabalho de peso que requer estadistas: pessoas que necessariamente têm de ter conhecimento de como funciona o Estado Democrático de Direito, quais as funções institucionais de um estado democrático, sua Constituição e suas Leis, e conhecimentos de Ciência Política, além de uma visão atualizada dos fenômenos sociais que estão a acontecer a partir da revolução comunicacional que ampliou extraordinariamente, para o bem e para o mal, a circulação de ideias, a publicidade política, negocial e de consumo.


Não é novidade histórica a prevalência de Estados poderosos, sua cultura e instituições sobre outros estados. Não é novidade histórica a colonização de países e regiões, primeiro pelo “descobrimento”, pela invasão e submissão dos nativos, pela imposição subsequente de leis e ordenamentos jurídicos, pela escravização, pelo estabelecimento de uma relação assimétrica entre Colonizadores e Colonizados. Subsequentemente estamos a conhecer outras formas de colonização, menos agressivas, sutis, eu diria, mas não menos invasivas e imperiosas. Ninguém pode negar que o fato de ouvirmos, nas colações de grau, quase exclusivamente músicas americanas, é sinal inequívoco, quase naturalizado, de subserviente colonização. Também não me passou despercebida a invasão dos bonés, isto já tem tempo, típico utensílio americano.


São exemplos prosaicos porquanto implicam troca de um costume por outro. Mas quando deixa de ser uma troca para caracterizar a coerção invisível pela assunção de papel subalterno, por exemplo, no plano econômico, a coisa ganha enorme importância. Trocar o chapéu pelo boné ou substituir música americana pela brasileira, em determinados momentos, vá lá. No quesito música só posso lamentar, sinto enorme falta de ouvir o riquíssimo som brasileiro em nossas formaturas. O fenômeno da assimilação e troca culturais num mundo cada vez mais globalizado é natural. Mas foi e ainda é forte a componente colonização nesse processo. É preciso, portanto, ter consciência crítica.


Afastado o olhar (os ouvidos e o cérebro) do barulhento midiático presente pontual, não será difícil perceber que vivemos outro ciclo de colonização e controle humanos. Ampliado o horizonte, podemos perceber uma espécie de império que ultrapassa todas as nações. Seu poder reside no fato de controlar a única mercadoria que é, ao mesmo tempo, todas as outras, a mercadoria por excelência, a mercadoria geral: o dinheiro. Esse poder invadiu as instituições do planeta, notadamente os poderes Executivo e Legislativo, através de lobbies e prepostos, arrefecendo os controles estatais, retirando salvaguardas e limites à sua ação, impondo e controlando condições de endividamento, prescrevendo toda uma “filosofia” de desenvolvimento fortemente apoiada na mídia e no marketing (desenvolvimento que se esboroou com as crises sucessivas e seu ápice (por enquanto) em 2008), criou as tais agências de risco, através das quais dão notas a países e instituições, invertendo definitivamente a relação entre o público e privado: os estados passaram a ser tributários do imperial poder financeiro que, em última análise, submete também o setor privado produtor de bens e serviços. 


Ou seja, o domínio do capital financeiro não se restringe ao controle dos Estados. A produção de bens e serviços, condição essencial para a criação de emprego e renda, também está submetida ao império das finanças. Não à toa cresce o rentismo: desvio de grana do setor produtivo para o setor financeiro. Mas isso não tem futuro, uma vez que o encolhimento da renda do trabalho determina a retração do consumo, que significa a redução de mercados e a marginalização crescente de parte da população. O que garante o capital aplicado em ações, fundos, etc., é a saúde dos ativos da economia, tanto quanto a saúde socioeconômica da população. Acresça-se hoje a questão climática a exigir mudanças drásticas.


Paralelamente, distanciou-se e, de certa forma, restringiu-se a representação das populações junto aos legislativos. É o que todos dizem sobre a falência da democracia enquanto sistema de representação pública. A questão crucial do financiamento de campanha, e nela a participação efetiva do poder econômico através de empresas e organizações patronais, que têm capacidade de lançar e financiar seus próprios representantes, ocupando o cenário com promessas que, no fim das contas, configuram verdadeiro estelionato eleitoral, já que, em verdade, tais representantes defendem interesses privados, muitos dos quais sem conhecimento básico do funcionamento das instituições públicas e de sua função, de administrar, com independência e visão crítica, a coisa pública e o interesse coletivo.


É nítida a necessidade de que postulantes a cargos eletivos sejam obrigados a estudar tudo sobre Administração Pública, seu objetivo, estrutura e funcionamento, sob a égide do Estado Democrático de Direito. Se para dirigir um veículo o cidadão precisa se submeter ao Código Brasileiro de Trânsito, imagine para dirigir um país, um estado ou município, ou para representar o cidadão junto às casas legislativas, sempre em prol do interesse público? Por que a administração do coletivo é tratada dessa maneira improvisada, apenas se cuidando das “formalidades legais”? Não é preciso lembrar o denodo ideológica com que o poder vigente quer, senão acabar, reduzir ao máximo o Estado? Se fosse alternativa competente para resolver os problemas aqui levantados, estaríamos bem. Infelizmente, até agora, tudo indica que não é. Aparentemente a solução mais próxima seria a de um equilíbrio responsável entre público e privado.


Não há mais mercados livres, concorrenciais, exceto para a miríade de pequenas e médias empresas que ainda caracterizam certos setores de produção e prestação de serviços. Mercados e concorrência nunca foram perfeitos, mas existiram num período em que o tamanho das unidades empresariais não implicava domínio regional ou mundial, e o capital financeiro era capital de risco: eventuais falências pouco abalavam o sistema em que a concorrência entre muitas empresas garantiam os níveis de produção. Isso foi paulatinamente destruído com o processo de fusões que concentraram poder de mercado em empresas multinacionais e transnacionais e também novas relações de poder entre Estados e Empresas. Estas, por efeito dos lobbies e da “invasão” da área pública por representantes empresariais nas casas legislativas, fizeram arrefecer os controles Estatais sobre a questão da concorrência e outras questões, especialmente as relativas ao funcionamento do subsistema financeiro.


Tudo indica que evoluímos assim: não somos capazes de saltos extraordinários. E, ao contrário, estamos experimentando retrocessos. Mas ainda é tempo, escasso tempo para a mudança de paradigmas, enquanto as condições ambientais se agravam e agravam a enorme desigualdade entre países e populações, e se fragmentam muitos Estados nacionais, e se deterioram as regras, valores, convenções, que caracterizam o chamado Estado moderno, ápice a que chegou o desenvolvimento histórico da sociedade humana. 

Há conhecimento para mudar, para estudar tudo isso com olhar crítico, o que, em verdade tem sido feito, à margem da grande corrente dominante, cuja força de persuasão ideológica repousa hoje no domínio organizado das tecnologias de comunicação que, no entanto, também instrumentaliza a crítica e as reinvidicações de mudança. Mas, não tenho nenhuma dúvida de que tal domínio poderá impor, em consonância com o poder Estatal crescentemente “privatizado”, restrições ao uso democrático destas tecnologias.




sábado, 21 de novembro de 2009

Golias, de novo

Falando sério:
O que é que os caras vão fazer pra mudar tudo?
O que é que nós vamos fazer depois que eles decidirem o que fazer?
E cada um de nós vamos fazer o quê? Dá tempo assim, gatos pingados?
Organizando: votamos opiniões pró mudança. Votamos pró transporte coletivo. Votamos?
Em vez de carros particulares individuais — transporte coletivo.
E o emprego de todo um mundo que gira em torno dos carros? Idéias, pra que vos quero:
Parte vai continuar produzindo transporte coletivo.
Outra parte vai recuperar os córregos e ribeiros e rios e fontes e mananciais.
Outra ainda recuperando terras arrasadas — reflorestas.
Isso signfica muito emprego.
Mais uma parte pode cuidar das crianças sem nada. E aproximar os dois contingentes para a grande mudança.
Se protegermos e educarmos todas as crianças, inclusive, principalmente, mas não exclusivamente, as sem nada, daqui a 30 anos erradicaremos a marginalidade. Há muito emprego aqui, nesse grande trabalho.
Para fazer comida natural é necessário terra e mão de obra. Temos muito tudo isso por aqui.
E as escolas? As escolas têm que mudar, mudar muito.
E todo mundo tem que ficar mais calmo, e tudo será feito num ritmo mais lento.
Muda o modo de fazer.
Muda o modo de pensar.
Muda o modo de medir.
Acaba a angústia de bater recordes.
Há um consolo pra começar tudo de novo, se for o caso: só precisamos de ar, alimento, moradia, juízo e algum antibiótico pra sobreviver e temos muito mais do que isso.
Então? Dá pra pensar no assunto?

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Ecopolítica

Por que Ecopolítica: eco para ecologia e economia, por serem o foco, o ponto de convergência da multidisciplinaridade (maior ou menor) de que resulta a ação humana sobre a face do planeta. E política, porque toda a decisão é fruto da relação de interesses, do jogo de forças, sobre o qual cada cidadão tem necessariamente que atuar, encaminhando debates, campanhas, votos, manifestações, esclarecimentos, denúncias, enfim, exercendo, em última análise, a cidadania de que tanto somos carentes. Este blog pretende contribuir para a formação de uma comunidade política, ou seja, de uma comunidade atuante, a partir da comunidade em que o seu autor se insere, de parentes, amigos, vizinhos e interessados, de qualquer idade, inicialmente estimulando a todos para que manifestem e se manifestem a cerca dos temas abordados pelo autor ou por quaisquer comentaristas.
Este blog quer estimular seus participantes a pensar com a sua própria cabeça, a se manifestar com as suas próprias palavras.
Este blog quer saber o que as pessoas acham do aquecimento global, e que providências podem ser tomadas para amenizá-lo.
Este blog quer saber o que as pessoas acham do nosso modo de vida, e o que tem que ser mudado para economizar energia e poupar o planeta.
Isso é só um começo, um comecinho. Fique à vontade.